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A DEFESA DO SUS DEPENDE DO AVANÇO DA REFORMA SANITÁRIA


Gastão Wagner de Sousa Campos1 
Professor titular de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Presidente da Abrasco.

Com o passar dos anos, vem se reforçando minha impressão de que o Sistema Único de Saúde (SUS), aquele previsto na Constituição, é melhor e mais generoso do que o Brasil.

Sem dúvida, trata-se de uma dedução paradoxal, já que o SUS foi idealizado e vem sendo implementado nesse mesmo contraditório, velho e eterno país do futuro e que, aparentemente, nunca se atualiza. Tanto é assim que o SUS concreto – aquele realmente existente – está ainda distante de garantir o direito universal à saúde e a atenção integral conforme as necessidades de saúde individuais e coletivas, mesmo considerando que muito tenha sido realizado e que o impacto do SUS sobre a saúde e esperança de vida do povo brasileiro é positivo.

Entretanto, ao mesmo tempo que se avançou, o SUS que vem sendo construído é cada vez mais assemelhado com as precárias condições de existência dos 70% da população brasileira que o utiliza regularmente. No SUS, como nos bairros periféricos, há descuido com ambiência, com a eficiência da gestão pública e, o mais grave, com as pessoas que usam e trabalham no sistema. O SUS vem se transformando, gradualmente, em mais um espaço dominado pela racionalidade da velha e tradicional promiscuidade da política brasileira. Em síntese, o SUS vem conformando uma ética, uma estética e um padrão de funcionamento em correspondência com o modo de vida da maioria; em muitos aspectos e situações, confirmando um padrão de descaso e de desrespeito à dignidade humana.

No Brasil há uma profunda desigualdade econômica, social e política. Há como que dois mundos coexistindo no mesmo território. Apesar da redução da pobreza ocorrida nos últimos anos, ainda dois terços da população têm renda igual ou menor do que dois salários mínimos. Há também profundas desigualdades em relação ao poder: a composição do Congresso Nacional confirma o desequilíbrio da representação política: maioria formada por empresários, homens e brancos. O machismo ainda é cultura dominante; nas organizações públicas e privadas impera o terror e o arbítrio do gerencialismo. As cidades são sempre duas, dois pedaços com diferenças abismais em relação ao saneamento básico, ao transporte, à habitação, à urbanização, ao lazer e à segurança pública. Basta consultar o Mapa da Violência para nos assaltar a certeza de que há dois Brasis. Os governos têm cuidado mais do crescimento econômico e da manutenção do poder da elite do que de estratégias de desenvolvimento social e humano.

O SUS “a quem é que se destina”? – Caetano Veloso perguntaria. O SUS concreto é, de fato, um sistema de todos e para todos?

A defesa do SUS passa pela luta contra a desigualdade, por alterarmos a política econômica e social vigente, impondo intervenções públicas voltadas para a promoção da igualdade e do bem-estar.

A frase que venho empregando “A esperança somos nós… e os outros” é uma metáfora para expressar a certeza de que a defesa do SUS, da democracia e dos direitos sociais, nesse momento em particular, depende da sociedade civil mais do que do Estado e dos políticos profissionais. Depende da revitalização do movimento sanitário e de sua articulação com amplos setores da sociedade – movimentos de luta por direitos, como o das mulheres, dos idosos, das populações indígenas e negra, dos portadores de patologias, das várias crenças religiosas que participam também da vida social, dos sindicatos, enfim, temos que verbalizar um projeto inclusivo de sociedade e, especificamente, de direito à saúde.

Em grande medida, o SUS é a expressão concreta de uma história de luta pelo direito à saúde. É necessário falar sobre o SUS, comentar sobre essa utopia e sonhar com a possibilidade concreta de que isto seja possível, algo que depende da defesa do que foi construído, mas também de mudanças que superem inúmeros impasses que separam o SUS da lei daquele SUS real vivenciado no dia a dia.

Comentarei algumas estratégias que poderão recompor nossa capacidade de resistir ao desvario elitista dos atuais dirigentes do país. LEIA O ARTIGO