É PRECISO ESTUDAR OS NÚMEROS BRASILEIROS DA AUSTERIDADE, O SUS ESTÁ SOB ATAQUE
Que lições podem ser aprendidas sobre o impacto das crises
econômicas na saúde das pessoas? O uso de evidências científicas está
sendo decisório no processo de construção de políticas públicas?
Como mitigar os efeitos negativos das crises para a saúde? Estas e muitas
outras questões foram colocadas pelo professor David Stuckler, na noite da
segunda-feira, dia 9, no 10º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da Abrasco,
em Florianópolis.
Stuckler, professor de Economia Política na Universidade de Oxford e que
mais recentemente passou a integrar o quadro docente do Departamento de Análise
Política e Gestão Pública na italiana Universitá Bocconi – começou sua
apresentação com uma fotografia da violência imposta pela polícia
espanhola aos manifestantes pela independência da Catalunha: -“Este exemplo de
ataque à democracia aconteceu esta semana”. A próxima imagem mostrava um Donald
Trump sorridente e David comentou: – “No meu país (David é norte-americano)
vimos a ascensão de um líder demagogo que não tem tolerância pelos
direitos de gênero, igualdade e, claro, pelos pobres. Recentemente quando o
furacão Maria arrasou Porto Rico, numa série de tuítes, Trump atacou a prefeita
da capital San Juan, Carmen Yulin Cruz, por criticar o governo de Washington
por sua falta de resposta aos estragos provocados pelo furacão. Cruz afirmou
que o governo dos EUA ‘está nos matando com sua ineficiência’. Em sua réplica,
Trump fustigou a ‘medíocre capacidade de liderança da prefeita de San Juan e
outros em Porto Rico que não conseguem que seus trabalhadores ajudem’. E é aqui
que a Epidemiologia é criticamente importante: os políticos estão atacando
aqueles que ficam na linha de frente. Estão me atacando também. Trump teve
coragem de culpar as vítimas de Porto Rico pelo déficit norte-americano e
chegou a dizer ‘Porto Rico, vocês estão atrapalhando nosso orçamento’, explicou
David.
“Meu trabalho começa com os princípios fundamentais de que a
saúde precisa acontecer nas comunidades e não nos consultórios
médicos, acontecer onde vivemos, trabalhamos, brincamos e descansamos: o
CEP é um dos fatores mais poderosos para a saúde. Hoje, na voz dos
epidemiologistas está a voz dos marginalizados, daqueles que sofrem pelas
forças poderosas que vão muito além do seu controle. Estamos vivendo um momento
da história em que esta voz da epidemiologia é mais necessária”, disse o
pesquisador.
O pesquisador disse a seguir que iria compartilhar o que tem aprendido
com os números da Europa e EUA pois sabe que o Brasil está adentrando neste
caminho, ele mostrou um gráfico com os dados da recessão brasileira e ainda a
capa de uma reportagem do Washington Post de dezembro passado – Brazil passes the mother of all
austerity plans. “Soubemos então que o Brasil era agora a mãe de
todos os planos de austeridade, com cortes gigantescos, numa escala que nunca
vimos na Europa até agora. Acredito que uma das coisas mais importantes que
podemos fazer é desmistificar e mostrar as mentiras que são ditas pelos
governos. Tenham muita atenção aos constantes ‘Não há alternativa, só a
austeridade”, pediu David.
Stuckler mostrou gráficos com o atual
posicionamento do FMI diante da austeridade “We underestimated the
negative effect of austerity on employment and spending power” diz o
artigo Growth
Forecast Errors and Fiscal Multipliers, de Olivier
Blanchard e Daniel Leigh. O Fundo Monetário Internacional já foi um dos
maiores defensores da austeridade mas mudou bastante de opinião. Neste
artigo eles fizeram uma avaliação da situação da Grécia onde, imaginavam eles,
após 8% de cortes em investimentos haveria um crescimento de 4%, entretanto tal
crescimento não aconteceu. Então eles decidiram que o melhor seria cortar mais
ainda: e cortaram, mas a economia continuou afundando: – “Foi aí que eles se
deram conta de que havia um erro no modelo deles e voltaram a examinar o
multiplicador fiscal (que nos mostra qual o retorno econômico para cada dólar
gasto) e souberam que na Grécia, durante a recessão, para cada dólar gasto o
retorno era de 1,7 dólares! Então no final de 2013 o FMI declarou que na crise
o importante é investir e demos um passo além, pois mesmo que os políticos
decidam pelos cortes existem agora evidências que mostram qual é a melhor forma
de fazer isso: diante de qualquer cenário, protejam o orçamento universal de
saúde e educação. Infelizmente não é isso que tem acontecido, na verdade é o
oposto que tem acontecido”, disse Stuckler.
David mostrou então como se deu o início dos cortes em saúde por
toda a Europa e fez um alerta: -“Nós, epidemiologistas, precisamos entender
estes dados econômicos porque no final desta cadeia, está a vida das
pessoas. Pois mesmo que toda esta informação econômica pareça muito distante da
Epidemiologia, é preciso e é urgente documentar todos estes danos causados pela
austeridade. Ainda na Grécia, um jornalista perguntou ao ministro da Saúde se
eles realmente teriam coragem de cortar em 40% o orçamento da saúde. É
claro que as consequências foram previsíveis. Num artigo que publicamos
no Lancet há
poucos dias, documentamos um número muito alto da mortalidade infantil na
Grécia. Um sinal que o acesso à saúde estava despencando – é como se a saúde
pública na Grécia fosse um barco e de repente o governo começasse a enfiar
várias lanças no casco e a começasse a afundar a embarcação”, comparou David.
O professor disse então que todos os
números comprovam o sofrimento da Grécia: – “E diante disto começamos
a documentar todo o impacto da austeridade. Sem os dados, os danos
ficariam ocultos e o debate público não teria acontecido. Mas aviso: quando
vocês começarem a documentar todos os danos que a austeridade causa na saúde da
população, serão atacados, preparem-se. Também fizemos um mapa dos bancos
de alimentos que existem no Reino Unido e que até pouco tempo não
existiam. Estes bancos se proliferaram no Reino Unido e os ministros
conservadores dizem que eles surgiram 'Porque as pessoas não conseguem
administrar suas finanças' – um padrão que temos observado nas políticas de
cortes, as vítimas são sempre as culpadas. Precisamos, e devemos, enquanto epidemiologistas
documentar esses dados. Mas não basta só documentar, temos que buscar uma
narrativa alternativa , uma voz diferente para pintar esse quadro de
alternativas verdadeiras, é uma das coisas mais importantes que nós,
epidemiologistas, podemos fazer. Para o triunfo do mal só basta que homens e
mulheres do bem não façam nada”, arrematou David.